
Quando fui lá no sertão
Encontrei o Lampião
Fazendo patifaria.
Eu disse: vixe Maria!
Essa cabra e perigoso!
E de modo cauteloso
Eu fui me aproximando
E ele me espiando
Já começou a falar:
É um poeta popular.
Sou, sim. Mas lhe aviso
Não rimo de improviso
Escrevo só inspirado.
Foi saindo de um lado
Um sujeito meio pachola
Segurando uma viola
Dizendo: canta comigo
No verso te dou castigo.
Eu te conheço de faro
És o Juvenal Amaro.
Como é que me conhece
Cabra ruim que aparece
Metido aqui no cangaço
Cuidado se não te amasso
A venta neste terreiro
Te deixo no desespero
Pra deixar de ser atrevido
Sobre a viola caído
Se arrastando pelo chão
Na frente do teu patrão.
Só pode ser de Umirim
Para vir falar assim
Metido a besta e a valente
Mas nunca uma serpente
Matou na mão como eu
Garanto que já correu
Com medo até de calango
Assustou-se com um frango
Mas já chega intimidando
Um bom sujeito do bando.
O Lampião se meteu:
Quem manda aqui sou eu!
Levantou o bacamarte
Atirou pra toda parte
Mas não pegou em ninguém.
Ele disse: então tá bem
Continuem camaradas
A poesia me agrada
Mesmo sem ter violão
Sigam com a discussão.
Se faltava, chegou macho
Eu venho lá do Riacho
Te prepara para a peia
Depois vai para a cadeia
Pagar os crimes que fez
Acabar de uma vez
Com a tua valentia
Na luta e na poesia
Tu apenas fazes rima
De versos nem se aproxima.
O cabra meio sem jeito
Disse: eu sou de respeito
Onde passo deixo o rastro
No sertão eu sou um astro
Todo mundo fica olhando
Sempre se admirando
Do que eu faço por aí
Não ando assim a sorrir
Como um poeta ruim
Lá das bandas de Umirim.
Se alguém olha é com cuidado
Para não ser enganado
E perder tudo que tem
Por que um homem de bem
Pela ação é conhecido
Diferente de um bandido
Que não passa de assassino
Um cabra de Virgulino
Que fora da sua cambada
Não tem coragem pra nada.
O Lampião novamente
Levantou-se de repente
Com sua arma na mão:
Você quer ser valentão
Desafiando o cangaço
Mas saiba que o que faço
Começou com uma injustiça
Me revoltei, fiz carniça
Por terem meu pai matado
Por isso hoje sou errado.
Depois disse: Seriema
Venha escolher um tema.
E a mulher se aproximou:
Disse: é bom falar de amor
Que é muito mais suave.
Que nenhum ao outro agrave.
Então falem do ser sertão
Do inverno e do verão
Da fartura do roçado
E das fazendas de gado.
Quando a mulher se calou
O cabra se apressou
Disse: agora quero ver
O que o poeta vai dizer
Sobre o amor e a paixão
Por que não é do sertão
E sentimento na cidade
Não é assim de verdade
Como o que aqui se sente:
Forte, bonito e ardente.
Engana-se totalmente
O amor não é diferente
Aqui ou em qualquer lugar
Para o sujeito amar
Não existe ocasião
Quando invade o coração
Se instala e permanece
Você tenta e não esquece
Você geme e você grita
Você morre e não evita.
O amor tem tanto poder
Que eu não sei o que dizer.
Se o capitão permitir
Do assunto quero sair
Percebo que neste tema
O poeta faz poema
Que o povo se encanta
E também minha garganta
Está um pouco dorida
Eu dou essa por perdida.
Lampeão quis se zangar
E começou a falar:
Meu cabra só tem arranco
Apanha até de tamanco
Quanto mais na poesia.
Mas chega aqui ô Maria
Chama o Mané machado
Para tocar um xaxado
Continuar a animação
Pro povo deste sertão.
Um barulho de repente
Agitou-se toda gente
Que foi logo se armando
Eram os soldados chegando
Teve início o tiroteio.
Disse: vou sair do meio
Essa briga não é minha
Vou voltar para a terrinha
Minha Riacho da Sela
Hoje cidade tão bela.
Já havia me retirado
Uma bala passou por mim
Voltei e disse: cuidado
Então pode levar fim
Não vacila novamente
Atirador inconseqüente
Leviano e ruim.
Juvenal Amaro
Umrim-CE, dezembro de 2010