segunda-feira, 2 de agosto de 2021

A RUA DOS FUXIQUEIROS E O HOMEM QUE DEFECOU NA FEIRA

 
                                                   Juvenal Amaro
 
Das coisas que são comuns
De lugarejo a cidade
É feira livre animada
Fuxico e veracidade
Questão com vias de fato
Propagação de boatos
Que causam inimizade.
 
Em um lugar tão pequeno
Não tinha muita opção
O melhor local que havia
Pra comprar na região
Era a feira semanal
Onde tinha o principal
Para a alimentação.
 
Um homem se acordou cedo
E caminhou para a feira
A fim de fazer as compras
Para a semana inteira
Levava bolsa e bisaco
Também um pequeno saco
Metido na algibeira.                                                            
 
Desde o dia anterior
Ele já não estava bem
Sentindo um mal-estar
Mas não dizia a ninguém
Pensava: isto é besteira
Eu vou amanhã à feira
Comprar as coisas também.
 
Era de costume seu
Sempre antes de iniciar
Suas comprar pela feira
Na banca de Inês passar
Para comer panelada
Ou arroz com tripa assada
Para se fortificar.
 
No seu trajeto pra feira
Tinha que passar primeiro
Por uma rua chamada
A rua dos fuxiqueiros
O povo de lá sabia
De tudo que acontecia
Pelo lugarejo inteiro.
 
Se alguém passar pela rua
Já vão querendo saber:
Para aonde vai? O que é?
E o que lá vai fazer?
Se for procurando alguém
Saem seguindo também
Disfarçados, para ver...
 
Terminando a refeição
Foi comprar o mantimento
Pois a sua intenção
Ali, naquele momento,
Era rápido resolver
O que tinha pra fazer
E voltar ao aposento.
 
Mas uma necessidade
De defecar o pegou
Procurou em toda parte
Um local... Não encontrou
Então num grande aperreio
Pegou a bolsa e no meio
Da feira se aliviou.
 
Como a bolsa era de palha
Logo as fezes iam vasar
Saiu procurando um canto
Para dela se livrar
Andando muito ligeiro
Na rua dos fuxiqueiros
Ele tornou a passar.
 
Os curiosos da rua
Já estavam na calçada
Um deles se aproximou
Fingindo não querer nada
Para saber o que seria
Que naquela bolsa havia
Tão diferente levada.
 
O que é isso seu Zé?
Que o senhor carrega aí?
É uma coisa perigosa?!
Está tão longe de ti!
E foram acompanhando
O homem depressa andando
Querendo fugir dali.
 
Vendo que não conseguia
Jogou a bolsa, zangado,
Para eles que correram
Para pegá-la apressados
O homem disse: é ruim...
Quem goste de merda assim
Eu nunca tinha encontrado.
 
E voltando para a feira
Suas compras concluiu
Evitou aquela rua
Por outro lado saiu.                                                                         
Enquanto indignados
Na rua todos melados
Diziam: o homem sumiu.
 
Mas ele vai nos pagar
É na próxima semana
Quando passar por aqui
A gente pega o sacana
Depois chama o delegado
Por ter a gente melado
Pode até entrar em cana.
 
Enquanto isso na feira
Um coronel do sertão
Ia passando em seu carro
E sem prestar atenção
Também o povo melou
Quando o pneu passou
Sobre uma poça no chão.
 
Alguém logo inventou
Que o coronel mandou dizer
Que os que foram melados
Ele iria receber
Em sua fazenda um dia
Com comida e alegria
Pra ninguém se aborrecer.
 
Daquela rua, um morador
Que cedo havia saído
Também estava na feira
E viu todo o ocorrido
Chegando a casa contou
Que o povo que se melou
Ia ser bem recebido.
 
Recebido de que jeito?
Perguntou a Isabel
Ele disse: aquele homem
Que melou é o coronel
E para se desculpar
A todos vai convidar
Para um sarapatel.
 
A mulher saiu correndo
Pra dizer aos companheiros:
O homem que nos melou
É um grande fazendeiro!
Vocês prestando atenção
A merda da confusão
Nem tinha tanto mau cheiro!
 
- Não parecia que fosse!
Com tanta simplicidade!
- Ele jogou foi pra mim!
Era merda de verdade!
- Eu não estou compreendendo!
Você agora está querendo
Sozinha a felicidade!
 
A raiva que eles tinham
Do humilde cidadão
Pensando ser um coronel
Transformou-se em afeição
E o assunto todo dia
Era de quando seria
A grande recepção.
 
       Jurei não mais escrever
       Uma estória como essa
       Voltei atrás só por que
       Encontrei motivo à beça
       No tempo por onde andei
       Assistindo ao que encontrei
       Lembrei-me desta conversa.
       
      Umirim-CE
       Fevereiro de 2021
     

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

sábado, 31 de julho de 2021

VELHO AÇUDE CAIO PRADO

                     Juvenal Amaro

 

Velho açude Caio Prado
Do meu Riacho da Sela 
Construído com o intento
De minimizar mazelas
Pela seca dos três oito
Que num povo bom e afoito
Deixou terríveis sequelas.
 
Mil oitocentos e oitenta
E oito, aconteceu
Uma das maiores secas
Que o nordeste viveu
De planta, animal e gente
Com a falta d'água e doente
Bem pouco sobreviveu.
 
O Imperador do Brasil
Que era Dom Pedro II
Deu ordem para conter
O sofrimento profundo
Para mudar o destino
Do morador nordestino
Faminto e moribundo.
 
O presidente da Província
Do Ceará, Caio Prado,
Procurou tomar medidas
Pra que fosse amenizado
O enorme sofrimento
E o assustador aumento
Do Pessoal flagelado.
 
O serviço de açudagem
Foi uma das providências
Tomadas por Caio Prado
A frente da presidência
Do Ceará naquele ano
Fazendo parte dos planos
Dos trabalhos de emergência.

Riqueza do vilarejo
Com grande satisfação
Tinha a água, tinha o peixe,
O banho e a diversão.
Paisagem que encantava
E alguém sempre parava
Para uma contemplação.

Suas margens eram livres
Sem haver habitação
Menor probabilidade
De uma contaminação
Do líquido tão importante
De uso bom e constante
De toda a população.
 
A pesca para o consumo
Quase sempre acontecia
Por alguns dos moradores
Afeitos a pescaria
Outras vezes por lazer
Ou mesmo pelo prazer
De uma boa companhia...
 
Serviu de abastecimento 
De água para o vilarejo
Sua sangria no inverno
Era um imenso desejo
Que ao se realizar
Muita gente ia olhar
Um motivo de festejo!
 
No povoado pequeno
O barulho se ouvia
Da água no sangradouro
Que em cascata caia
E o povo assim encantado
Contemplava admirado
Aquela bela sangra.

Por cima do sangradouro
A lâmina d'água caia
Formando bela cascata
Que lá em baixo corria
De modo tão transparente
Que no líquido corrente
Os peixes a gente via.

Já foi grande diversão
Um lugar muito bonito
Pessoas o frequentavam
Como se fosse infinito...
Sua água cristalina
Era como uma piscina
Para o povo do distrito.

Um balneário mesmo!
Foi para a população
Que tinha orgulho de tê-lo
Como excelente atração
Banho para os habitantes
Também para os visitantes
Era a melhor opção.
 
Da parede do açude
Que é também a rodovia
Havia que se arriscasse
A fazer acrobacia
Em saltos sensacionais
Habilidoso e fugaz
Na água limpa caia.
 
Nos feriados maiores
Como o da Semana Santa
Era lazer para muitos
Que a natureza encanta
O açude era lotado
Todo Mundo animado
Felicidade era tanta!
 
Muita pessoas viveram
Ali grandes emoções
Que ficaram inesquecíveis
Pra sempre em seus corações
No espaço da saudade
Onde a felicidade
Vive das recordações.

Quantas histórias existem
Envoltas em sua história
Do passado e do presente
Que ficaram na memória
Vindo desde o princípio
Até hoje município
Com sofrimentos e glórias.

Caio Prado! Caio Prado!
É do Riacho da Sela!
Já socorreu o sedento
Já refrescou a donzela
Refletiu o firmamento
Ondulou-se com o vento
E lavou prato e panela.

Com o crescimento da vila
Mesmo paulatinamente
Muita coisa foi mudando
Hoje é tão diferente
Mas o velho Caio Prado
Continua sendo amado
Ainda por muita gente.

Durante todos esses anos
Muitas seca tem passado
E na maioria delas
Tem totalmente secado
Mas apesar da tristeza
A fé traz sempre a certeza
De vê-lo recuperado.

Já não existe como antes
Um tão grande sentimento
Vivenciado por muitos
Em outros vários momentos
Naturais da nossa história.
Alguns trazem na memória
Lembranças, contentamentos...

 
 Umirim-CE, maio de 2019
 



 
 
 


terça-feira, 19 de janeiro de 2021

O BOM CLIENTE E O VELHACO

 

                                              

                         
Neste momento que venho
Fazer esta descrição
A Deus peço permissão
E o meu lápis sustenho. 
Quero escrever com empenho
E com muita sensatez
Pois agora desta vez
O assunto não é fraco.
Vou falar sobre o velhaco
E também do bom freguês.
 
Quando vai alguém sair
Pra fazer a sua venda
Diz antes: Deus me defenda
Do velhaco que surgir.
E vai andando por aí
Seu artigo oferecendo
Sem saber se está vendendo
A uma pessoa honesta
Ou a alguém que só presta
Para lhe ficar devendo.
 
E com receio tamanho
De logo ser enganado
Ele vende preocupado
Pois precisa ter seu ganho.
Se acha o freguês estranho
Fala que quer voltar cedo
Sentindo um pouco de medo
Para este não vender.
Isto acontece porque
Não conhece o segredo:
 
Quando chega o vendedor                                                                   
Na casa do bom freguês
Ele com mui polidez
Diz: como vai o senhor?
Finge não ser comprador
A ver seu artigo evita.
O vendedor diz: permita                                                                          
Que lhe mostre as novidades.
Mas só compra, na verdade,
As quais ele necessita.
 
O velhaco é diferente
Nem olha para o vendeiro.
Revira tudo ligeiro
Para comprar de repente
Tudo que lhe vem à mente.
Sem maneira indecisa.
Se o vendedor não avisa
Como são os pagamentos
Ele naquele momento
Compra o que não precisa.
 
O bom cliente já pensando
Nos pagamentos a fazer,
Tem receio de dever,
Olha e fica pensando,
Mesmo o dono convidando
De maneira camarada.
Não retira ele mais nada
Pois já está satisfeito.
Acerta tudo direito
E dá um boa entrada.
 
O velhaco também pensa,
Mas somente em enganar,
Pode a conta aumentar
Que coisa ele não dispensa.
E depois diz: não compensa
Fazer uma compra desta.
Nem pergunta quanto resta
E se alguém não diz nada
Dá uma péssima entrada.
Fala que a compra não presta.
 
Quando o dia está chegando                                                              
Que o cobrador vai passar
O bom cliente já está
Da prestação se lembrando
E algum dinheiro guardando
Pra fazer o pagamento.                                                                  
Lembra naquele momento
Que é tão útil o artigo
E até mostra a um amigo
Cheio de contentamento.
 
O velhaco se esquece.
Gasta com isso e aquilo
E fica muito tranquilo,
Que não deve até parece.
Às vezes, quando acontece
De o vizinho avisá-lo
Ou outro freguês lembrá-lo
Que o vendedor logo passa
Diz: se aquela desgraça
Me perturbar vou matá-lo.
 
O bom cliente só deseja
Pagar logo o seu débito
E embora o seu crédito
Aberto sempre esteja
Ele somente peleja
Pra depressa terminar
De suas contas pagar
E com boas intenções
Até duas prestações
Às vezes ele vai dar.
 
Mas o velhaco é errado
Não paga a conta que fez
Deixa atrasar mais de um mês
E mesmo o crédito fechado
Ainda quer comprar fiado.
Dizendo: aquela de outrora
Eu pago com a de agora.
E a iludir tentando
Só para de insistir quando
O vendedor vai embora.
 
Cliente bom não se atreve                                                                 
A comprar outro objeto
Antes de pagar completo
A conta que ainda deve.
Mas procura pagar breve                                                               
O que sempre vem pagando
Porque só quer comprar quando
O seu débito liquidar.
Não quer a conta aumentar
Mesmo o dono convidando.
 
Velhaco só vai no dia
Que deseja algo comprar.
Mesmo sem antes falar
Se o vendedor confia
Pega a mercadoria
Como quem crédito tem.
Diz que vai levar também
E o tempo vai passando
Só a conta aumentando
E dinheiro nunca vem.
 
O bom freguês sempre é
Uma pessoa honrada,
Não tem conta atrasada,
Paga o quanto puder.
Nele o vendedor tem fé,
Oferece ainda mais,
Sabendo que é capaz
E um ser bastante honesto
Vende até mesmo o resto
Porém não o insatisfaz.
 
O velhaco é uma pessoa
Que aborrece facilmente
É um sujeito indecente
Que fica falando à toa
Dizendo que não é boa
A coisa que alguém vende.
Também facilmente ofenda
A qualquer um vendedor
Ou o chama de “amor”
Quando enganá-lo pretende.
 
Às vezes, o bom freguês                                                                              
Não está em condição
De pagar a prestação
A qual é chegada a vez.                                                                  
Com o seu jeito cortês,
De todo bom comprador
Diz para o vendedor:
Não vai me levar a mal
Mas hoje o meu capital
Não dá pra pagar o senhor.
 
Freguês velhaco porém
Nunca se encontra em casa.
Seu pagamento atrasa
Pois quando o cobrador vem
Finge que não há ninguém.
Vai ligeiro pra cozinha.
Mas se avisa a vizinha
Com isso ele não se importa,
Corre logo e fecha a porta
Ou deixa a casa sozinha.
 
Quando vai alguém cobrar,
Bem depressa o bom freguês
Paga a prestação que fez
Sem de alguém duvidar.
Não fica a perguntar,
Sabe que está tudo certo,
Que o vendedor é correto,
Olha apenas a anotação
Pra ver se a liquidação
Da conta já está perto.
 
Porém o velhaco quando
Vai pagar, uma vez por ano,
Fala que houve engano
Ou que estão lhe roubando,
A sua conta aumentando.
Diz que aquilo não comprou,
Que é roubo do vendedor.
Faz uma grande questão
E não paga a prestação
Que há tempo atrasou.
 
O bom freguês, todo dia                                                                
Que o vendedor aparece
Nunca, nunca se esquece                                                                         
De trazer sua quantia
Sai com muita alegria
Faz então seu pagamento
E se está com o intento
De alguma coisa comprar
O vendedor vai mostrar,
Vende no mesmo momento.
 
Quando o velhaco aparece
Tudo fica diferente:
O dono se faz ausente
Como se lá não estivesse
E logo desaparece
Pra com este não falar.
Porque senão vai comprar
Alguma coisa ligeiro
E depois o seu dinheiro
Não vai nem sequer pegar.
 
Velhaco “profissional”
Que tem vivência bastante
Chega todo elegante
Mostrando o seu capital.
O vendedor acha legal
Vai logo oferecendo
E muita coisa vendendo.
O achou um bom freguês,
Mas este, a compra que fez
Fica todinha devendo.
 
Já dizia um amigo meu:
Um velhaco não é gente!
Vem e leva o que é seu
Educado e sorridente.
Não sendo perceptível
A sua mania horrível
Lesa qualquer um vivente!
 
Umirim-CE
Dezembro de 1983