terça-feira, 19 de janeiro de 2021

O BOM CLIENTE E O VELHACO

 

                                              

                         
Neste momento que venho
Fazer esta descrição
A Deus peço permissão
E o meu lápis sustenho. 
Quero escrever com empenho
E com muita sensatez
Pois agora desta vez
O assunto não é fraco.
Vou falar sobre o velhaco
E também do bom freguês.
 
Quando vai alguém sair
Pra fazer a sua venda
Diz antes: Deus me defenda
Do velhaco que surgir.
E vai andando por aí
Seu artigo oferecendo
Sem saber se está vendendo
A uma pessoa honesta
Ou a alguém que só presta
Para lhe ficar devendo.
 
E com receio tamanho
De logo ser enganado
Ele vende preocupado
Pois precisa ter seu ganho.
Se acha o freguês estranho
Fala que quer voltar cedo
Sentindo um pouco de medo
Para este não vender.
Isto acontece porque
Não conhece o segredo:
 
Quando chega o vendedor                                                                   
Na casa do bom freguês
Ele com mui polidez
Diz: como vai o senhor?
Finge não ser comprador
A ver seu artigo evita.
O vendedor diz: permita                                                                          
Que lhe mostre as novidades.
Mas só compra, na verdade,
As quais ele necessita.
 
O velhaco é diferente
Nem olha para o vendeiro.
Revira tudo ligeiro
Para comprar de repente
Tudo que lhe vem à mente.
Sem maneira indecisa.
Se o vendedor não avisa
Como são os pagamentos
Ele naquele momento
Compra o que não precisa.
 
O bom cliente já pensando
Nos pagamentos a fazer,
Tem receio de dever,
Olha e fica pensando,
Mesmo o dono convidando
De maneira camarada.
Não retira ele mais nada
Pois já está satisfeito.
Acerta tudo direito
E dá um boa entrada.
 
O velhaco também pensa,
Mas somente em enganar,
Pode a conta aumentar
Que coisa ele não dispensa.
E depois diz: não compensa
Fazer uma compra desta.
Nem pergunta quanto resta
E se alguém não diz nada
Dá uma péssima entrada.
Fala que a compra não presta.
 
Quando o dia está chegando                                                              
Que o cobrador vai passar
O bom cliente já está
Da prestação se lembrando
E algum dinheiro guardando
Pra fazer o pagamento.                                                                  
Lembra naquele momento
Que é tão útil o artigo
E até mostra a um amigo
Cheio de contentamento.
 
O velhaco se esquece.
Gasta com isso e aquilo
E fica muito tranquilo,
Que não deve até parece.
Às vezes, quando acontece
De o vizinho avisá-lo
Ou outro freguês lembrá-lo
Que o vendedor logo passa
Diz: se aquela desgraça
Me perturbar vou matá-lo.
 
O bom cliente só deseja
Pagar logo o seu débito
E embora o seu crédito
Aberto sempre esteja
Ele somente peleja
Pra depressa terminar
De suas contas pagar
E com boas intenções
Até duas prestações
Às vezes ele vai dar.
 
Mas o velhaco é errado
Não paga a conta que fez
Deixa atrasar mais de um mês
E mesmo o crédito fechado
Ainda quer comprar fiado.
Dizendo: aquela de outrora
Eu pago com a de agora.
E a iludir tentando
Só para de insistir quando
O vendedor vai embora.
 
Cliente bom não se atreve                                                                 
A comprar outro objeto
Antes de pagar completo
A conta que ainda deve.
Mas procura pagar breve                                                               
O que sempre vem pagando
Porque só quer comprar quando
O seu débito liquidar.
Não quer a conta aumentar
Mesmo o dono convidando.
 
Velhaco só vai no dia
Que deseja algo comprar.
Mesmo sem antes falar
Se o vendedor confia
Pega a mercadoria
Como quem crédito tem.
Diz que vai levar também
E o tempo vai passando
Só a conta aumentando
E dinheiro nunca vem.
 
O bom freguês sempre é
Uma pessoa honrada,
Não tem conta atrasada,
Paga o quanto puder.
Nele o vendedor tem fé,
Oferece ainda mais,
Sabendo que é capaz
E um ser bastante honesto
Vende até mesmo o resto
Porém não o insatisfaz.
 
O velhaco é uma pessoa
Que aborrece facilmente
É um sujeito indecente
Que fica falando à toa
Dizendo que não é boa
A coisa que alguém vende.
Também facilmente ofenda
A qualquer um vendedor
Ou o chama de “amor”
Quando enganá-lo pretende.
 
Às vezes, o bom freguês                                                                              
Não está em condição
De pagar a prestação
A qual é chegada a vez.                                                                  
Com o seu jeito cortês,
De todo bom comprador
Diz para o vendedor:
Não vai me levar a mal
Mas hoje o meu capital
Não dá pra pagar o senhor.
 
Freguês velhaco porém
Nunca se encontra em casa.
Seu pagamento atrasa
Pois quando o cobrador vem
Finge que não há ninguém.
Vai ligeiro pra cozinha.
Mas se avisa a vizinha
Com isso ele não se importa,
Corre logo e fecha a porta
Ou deixa a casa sozinha.
 
Quando vai alguém cobrar,
Bem depressa o bom freguês
Paga a prestação que fez
Sem de alguém duvidar.
Não fica a perguntar,
Sabe que está tudo certo,
Que o vendedor é correto,
Olha apenas a anotação
Pra ver se a liquidação
Da conta já está perto.
 
Porém o velhaco quando
Vai pagar, uma vez por ano,
Fala que houve engano
Ou que estão lhe roubando,
A sua conta aumentando.
Diz que aquilo não comprou,
Que é roubo do vendedor.
Faz uma grande questão
E não paga a prestação
Que há tempo atrasou.
 
O bom freguês, todo dia                                                                
Que o vendedor aparece
Nunca, nunca se esquece                                                                         
De trazer sua quantia
Sai com muita alegria
Faz então seu pagamento
E se está com o intento
De alguma coisa comprar
O vendedor vai mostrar,
Vende no mesmo momento.
 
Quando o velhaco aparece
Tudo fica diferente:
O dono se faz ausente
Como se lá não estivesse
E logo desaparece
Pra com este não falar.
Porque senão vai comprar
Alguma coisa ligeiro
E depois o seu dinheiro
Não vai nem sequer pegar.
 
Velhaco “profissional”
Que tem vivência bastante
Chega todo elegante
Mostrando o seu capital.
O vendedor acha legal
Vai logo oferecendo
E muita coisa vendendo.
O achou um bom freguês,
Mas este, a compra que fez
Fica todinha devendo.
 
Já dizia um amigo meu:
Um velhaco não é gente!
Vem e leva o que é seu
Educado e sorridente.
Não sendo perceptível
A sua mania horrível
Lesa qualquer um vivente!
 
Umirim-CE
Dezembro de 1983
 
 
 
 
 
 
 

O VAQUEIRO DO RIACHO

 
                     
 
Ainda hoje se comenta
Sobre uma assombração
Das noites de sextas-feiras
Que ficava de plantão
Bem no meio da estrada
Sobre a ponte atravessada
E causando confusão
 
Parecia um grande homem
Que suas pernas abria
De um lado ao outro da ponte
E do lugar não saia
Desde as vinte e duas horas
Ia pela noite afora
Ao amanhecer o dia.
 
Uma ponte de madeira
De uma estrada de chão
Não existindo automóvel
Ônibus ou caminhão
O transporte no local
Era feito em animal
Como em toda região.
 
O homem na posição
De quem estava montado
Como se ali estivesse
Em um cabresto agarrado
Sem mais nem menos surgia
E ali permanecia
Como que estagnado.
 
Era a ponte que ficava
Sobre o Riacho da Sela
Dava acesso ao povoado
Só se passava por ela
E quando o riacho cheio
O povo tinha receio
De cair numa esparrela.
 
Aqueles que precisavam
Para o outro lado passar
Tinham sempre o cuidado
De ainda cedo voltar
Senão por baixo do gancho
Das pernas, embora ancho,
Iriam ter que regressar.
 
Dizem que foi um vaqueiro
Que conduzia o seu gado
Numa tarde de inverso
Durante o tempo cerrado
E ao penetrar na correnteza
Apesar da sua destreza
Foi pela água arrastado.
 
O vaqueiro era um escravo
Um homem trabalhador
Seu ganho era o alimento
Que lhe dava seu senhor
Mas não podia falhar
Para não ter que passar
Por castigo e muita dor.
 
Até o casco de um boi
Mas do que ele valia
E sem um deles chegar
Isso jamais poderia
Por isso ele foi seguindo
O boi que ia sumindo
Por que na água descia.
 
E aparecia montado
No cavalo alazão
Trazendo para o curral
A boiada do patrão
O animal não estava
Mas ele continuava
Só naquela posição.
 
Dizem que algumas vezes
Ouviam-se alguns gemidos
Que pareciam aboios
Chamando os bois perdidos
Que todos do povoado
Ficavam impressionados
Com o som entristecido.
 
No aboio ele dizia:
Yhê boi! yhê boi macho
Não pode se intimidar
Com as águas do riacho.
Você desapareceu
E agora anoiteceu
Mas mesmo assim eu te acho.
 
Sempre ali aparecia
No seu cavalo invisível
Só era visto de longe
Pois de perto era impossível
O medo não permitia
Pois todo mundo sentia
Um arrepio terrível.
 
Na capelinha de Nossa
Senhora da Natividade
O povo se aglomerava
Para pedir piedade
Com o seu terço na mão
Suplicando em oração
Mais paz e tranquilidade.
 
Somente em noite de lua
Podia ver-se o vulto
Não porque aquele ser
Estivesse ali oculto
Mas por não se aproximarem
E bem distante ficarem
Causando, às vezes, tumulto.
 
Era no que se falava
No lugarejo todinho.
Conversa de namorado
De compadre, de vizinho
E de dono de fazenda
Da mulher fazendo renda
E dos que tomavam vinho.
 
E lá de cima do alto
Onde ficava a capela
Dava para ver a ponte
Sobre o riacho da sela
E quando a noite caia
Um grupo se reunia
Junto de uma janela:
 
“Santa Maria Mãe de Deus
Rogai por nós pecadores...”
Rezavam para aliviar
Os momentos de horrores
Da sensação esquisita
Que deixava muito aflita
A alma dos moradores.
 
O vaqueiro do riacho
Nunca mais apareceu
Todo o povo que o viu
Há muito tempo morreu
Só existe na memória
Dos que ouviram a história
De quem lhes antecedeu.
 
Jaz no leito do riacho
Uma lenda esquecida
Vivenciada por muitos
Enquanto tiveram vida
Numa época tão distante
Aqui só passo adiante
Levando a ser conhecida.
 

Fevereiro de 2011
Umirim-CE