terça-feira, 19 de janeiro de 2021

O VAQUEIRO DO RIACHO

 
                     
 
Ainda hoje se comenta
Sobre uma assombração
Das noites de sextas-feiras
Que ficava de plantão
Bem no meio da estrada
Sobre a ponte atravessada
E causando confusão
 
Parecia um grande homem
Que suas pernas abria
De um lado ao outro da ponte
E do lugar não saia
Desde as vinte e duas horas
Ia pela noite afora
Ao amanhecer o dia.
 
Uma ponte de madeira
De uma estrada de chão
Não existindo automóvel
Ônibus ou caminhão
O transporte no local
Era feito em animal
Como em toda região.
 
O homem na posição
De quem estava montado
Como se ali estivesse
Em um cabresto agarrado
Sem mais nem menos surgia
E ali permanecia
Como que estagnado.
 
Era a ponte que ficava
Sobre o Riacho da Sela
Dava acesso ao povoado
Só se passava por ela
E quando o riacho cheio
O povo tinha receio
De cair numa esparrela.
 
Aqueles que precisavam
Para o outro lado passar
Tinham sempre o cuidado
De ainda cedo voltar
Senão por baixo do gancho
Das pernas, embora ancho,
Iriam ter que regressar.
 
Dizem que foi um vaqueiro
Que conduzia o seu gado
Numa tarde de inverso
Durante o tempo cerrado
E ao penetrar na correnteza
Apesar da sua destreza
Foi pela água arrastado.
 
O vaqueiro era um escravo
Um homem trabalhador
Seu ganho era o alimento
Que lhe dava seu senhor
Mas não podia falhar
Para não ter que passar
Por castigo e muita dor.
 
Até o casco de um boi
Mas do que ele valia
E sem um deles chegar
Isso jamais poderia
Por isso ele foi seguindo
O boi que ia sumindo
Por que na água descia.
 
E aparecia montado
No cavalo alazão
Trazendo para o curral
A boiada do patrão
O animal não estava
Mas ele continuava
Só naquela posição.
 
Dizem que algumas vezes
Ouviam-se alguns gemidos
Que pareciam aboios
Chamando os bois perdidos
Que todos do povoado
Ficavam impressionados
Com o som entristecido.
 
No aboio ele dizia:
Yhê boi! yhê boi macho
Não pode se intimidar
Com as águas do riacho.
Você desapareceu
E agora anoiteceu
Mas mesmo assim eu te acho.
 
Sempre ali aparecia
No seu cavalo invisível
Só era visto de longe
Pois de perto era impossível
O medo não permitia
Pois todo mundo sentia
Um arrepio terrível.
 
Na capelinha de Nossa
Senhora da Natividade
O povo se aglomerava
Para pedir piedade
Com o seu terço na mão
Suplicando em oração
Mais paz e tranquilidade.
 
Somente em noite de lua
Podia ver-se o vulto
Não porque aquele ser
Estivesse ali oculto
Mas por não se aproximarem
E bem distante ficarem
Causando, às vezes, tumulto.
 
Era no que se falava
No lugarejo todinho.
Conversa de namorado
De compadre, de vizinho
E de dono de fazenda
Da mulher fazendo renda
E dos que tomavam vinho.
 
E lá de cima do alto
Onde ficava a capela
Dava para ver a ponte
Sobre o riacho da sela
E quando a noite caia
Um grupo se reunia
Junto de uma janela:
 
“Santa Maria Mãe de Deus
Rogai por nós pecadores...”
Rezavam para aliviar
Os momentos de horrores
Da sensação esquisita
Que deixava muito aflita
A alma dos moradores.
 
O vaqueiro do riacho
Nunca mais apareceu
Todo o povo que o viu
Há muito tempo morreu
Só existe na memória
Dos que ouviram a história
De quem lhes antecedeu.
 
Jaz no leito do riacho
Uma lenda esquecida
Vivenciada por muitos
Enquanto tiveram vida
Numa época tão distante
Aqui só passo adiante
Levando a ser conhecida.
 

Fevereiro de 2011
Umirim-CE
 
 
 
 

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